— Em alto mar

Logopeia com Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Rupi Kaur e Leminski A dança das palavras e do intelecto

Publicado em 29/03/2018 por

O poeta e crítico americano Ezra Pound definiu três grandes aspectos para a poesia. São eles o aspecto sonoro, que ele chamou de melopeia; o aspecto visual e imagético, que chamou de fanopeia; e a dança do intelecto entre as palavras, que seria a logopeia, ou seja, a parte reflexiva da poesia.

Este terceiro post fala sobre a logopeia, cuja obra de Fernando Pessoa está cheia. Praticamente independentemente do heterônimo, suas poesias fazem-nos pensar sobre várias coisas, principalmente sobre a vida e nós mesmos. Vale lembrar que há aspectos sonoros e imagéticos, porém o logopeico é muito evidente. Um exemplo é o poema Tabacaria. Além de Pessoa, outros poetas e poetizas se utilizam deste recurso. Em dois versos e sete palavras, Clarice Lispector faz uma dança de palavras com o verbo ser que nos faz refletir:

já que sou, o jeito é ser
— Clarice Lispector

O mesmo ocorre em outra situação, brincando com a palavra “respeito”:

e se me achar esquisita
respeite também,
até eu fui obrigada a me respeitar
— Clarice Lispector

O livro Outros jeitos de usar a boca , da poeta Rupi Kaur , traz um poema que é assim:

Eu não fui embora porque
eu deixei de te amar
eu fui embora porque quanto mais 
eu ficava
menos eu me amava
— Rupi Kaur

Perceba que não há muito o que imaginar ou visualizar. Não há nada de sonoro: rimas, sons parecidos ou sílabas repetidas. Apenas uma frase cuja reflexão dança com “ir embora”.

Um poema de Paulo Leminski , musicado por Itamar Assumpção , também é um bom exemplo de uma logopeia. Apesar da presença de imagens, como coroa, medalhas ou “tocar na dor”; e a presença de ritmo e melodia; o aspecto reflexivo ainda se salienta.

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
— Paulo Leminski

Agora que já temos uma noção dos três aspectos e conseguimos encontrá-los nas poesias, podemos olhar para nossa própria obra e brincar com eles. São aspectos relevantes e nos ajudam no autoconhecimento da nossa própria escrita, o que sem dúvida, pode aprimorar nossa criação poética.