— Em alto mar

O poder das imagens Pablo Neruda conseguiu transformar coisas concretas em experiências sinestésicas.

Publicado em 29/08/2017 por

Eu postei, há algum tempo, um vídeo falando que a educação, tal qual vemos hoje, tende a formar pessoas que procuram respostas certas. Isso tem nos tornado utilitaristas e racionalistas.

Dei ao nome, de quem acaba abrindo mão da criatividade e do óbvio, de adulto. Afinal, é isso que faz um bom adulto. Não há tempo para poesia, pintura abstrata ou a arte em geral na vida corrida de um adulto.

Imagine você enviando um relatório para o seu chefe através de um quadro abstrato. Ele não olharia para o tom de vermelho e diria ‘sinto uma sensação de vazio existencial que deve demonstrar queda de 23,34% no custo de aquisição de clientes’. Não iria funcionar, né?

No livro Canto Geral , Pablo Neruda usa exageradamente imagens que tornam algo concreto em abstrato, de maneira à permitir o leitor a viajar num mundo de cores, formas, sensações, enfim, num universo sinestésico incrível.

De um poema que recitei, chamado Minerais, eu queria destacar alguns dos pontos:

Cipós subindo aos cabelos da noite selvática
Consegue enxergar os cipós dependurados nas árvores numa noite iluminada pela lua? Ouvindo aquele silêncio de selva marcado pelos cri-cris ?
Dentadura das cordilheiras antárticas
Uma cordilheira de montanhas cobertas de neve, o branco da neve lembra o branco dos dentes.
Deusa serpente vestida de plumas e enrarecida por azul veneno
Nesse contexto, azul veneno pode se referir à cor da cobra, que, geralmente, quando venenosa, possui cores mais vivas.
Os vaga-lumes equivocados ainda continuavam nos altos, soltando goteiras de fósforo nos sulcos dos abismos e nos cumes ferruginosos
Essa imagem é muito linda. Quem já brincou de jogar fósforo (a substância) em pó numa chama sabe o brilho que tem. Imagina agora uma chuva de fagulhas no nada ou nas montanhas cheio de ferro.
A turquesa de suas etapas, do brilho larvário apenas nascia para as jóias do sol sacerdotal
Imagino já uma grande pedra azul no chapéu sacerdotal das antigas civilizações, prestes a fazer um sacrifício.

Enfim, são ótimos exemplos que ilustram o que quis dizer em vídeos anteriores. Pensar com a exatidão de um ensaio, criar poemas com muita explicação, tudo é válido. Mas há de se reconhecer a beleza das imagens jogadas a nossa imaginação à partir do “não-óbvio”, do “irracional”. O abstrato aqui, vale!