— Em alto mar

Poesia vem da contemplação Escrever prosa é diferente de escrever poesia.

Publicado em 25/04/2017 por

Escrever prosa é como um tubérculo. O texto está enterrado dentro do escritor. É preciso ser ativo. É preciso cavar. Por isso que funcionam essas técnicas de fazer 500, 1000 palavras por dia.

Poesia não funciona assim. Talvez prosa poética, mas poesia, não. Poesia desabrocha como uma flor. O poeta simplesmente senta, contempla o mundo e a flor desabrocha sozinha. Ao invés de ativamente forçar a escrita, passivamente se aguarda o sentimento.

O Drummond , no poema Procura da Poesia, diz não dramatizes, não invoques, não indagues, não perca tempo em mentir, ou seja, não seja ativo. Ao contrário, quando ele diz penetra surdamente no reino das palavras./ Lá estão os poemas que esperam ser escritos está dizendo exatamente contemple surdamente.

Quando canta, no poema, ei-los sós e mudos, em estado de dicionário./ Convive com teus poemas antes de escreve-los, canta como quem diria “senta a frente do jardim e deixa desabrochar essa flor. Sem pressa.

Em estado de dicionário estão as palavras querendo significar exatamente o que elas significam. Uma casa é uma casa. Uma floresta é uma floresta. Mas a poesia distorce a função-dicionário das palavras, permite o lirismo, a metáfora. Em estado de dicionário temos as frutas, em poesia temos o suco das frutas.

O poema diz chega mais perto e contempla as palavras como quem contempla as pétalas dessa flor nascerem ao longo do tempo, como quem contempla o suco desprendendo-se da fruta.

No caso de João Cabral de Melo Netoi , no poema Psicologia da composição, temos o seguinte: ... alguma palavra/ que desabrochei, como a um pássaro.

Ora, o pássaro desabrochado voa sem rumo, voa no céu do imprevisível. Deixe-o traçar a rota que melhor lhe aprouver.

Em outra parte do poema, quando canta esta folha branca/ me proscreve o sonho,/ me incita ao verso/ nítido e preciso./ Eu me refúgio/ nesta praia pura/ onde nada existe/ em que a noite pouse., acredito que cante muito parecido a Drummond, ou seja, se refugiar nesta praia pura seria adentrar ao mundo das palavras, sentar se a frente do jardim.

Também mais tarde, retoma dizendo vivo com certas palavras, abelhas domésticas do mesmo modo que Drummond conta chega mais perto e contempla as palavras.

Quando continua neste papel logo fenecem as roxas, mornas flores morais;, me parece que os versos vão saindo, tal qual a flor que vai desabrochando, tal qual o suco que vai sendo extraído da fruta.

Estes são conselhos que levo comigo. Escrever poesia é entrar em outro estado. É entrar em estado de transe. É excluir-se a uma praia, é adentrar o mundo das palavras. Cada poeta vai criar seu mundo.

Nessa jornada em busca de uma poesia mais madura, uma poesia mais bem escrita, saímos do lugar, mas ainda estamos em alto mar.