Alfreado na livraria
Publicado em 15/03/2015 por Gustavo Dutra
Chovia lá fora e Alfredo acabou preso dentro da galeria. Chovia aquela chuva grossa, de pingos pesados, do jeito que dá gosto de apreciar. Para passar o tempo, pois, hoje, ele foi à livraria. Não que fosse um costume, mas era algo que queria fazer com mais frequência.
Nunca conseguiu tirar da cabeça que era mal compreendido ao dizer que gostava de livrarias. Todos sempre pensavam que era para parecer mais intelectual e conhecedor, mas não pelo fato dele gostar de livros. Não o só conteúdo dos livros em si, mas as cores e as formas que eram, lado a lado, organizados nas estantes altas e largas.
Achava fascinante observar o mosaico de livros. A sessão infantil era a que mais gostava, mas as crianças de hoje em dia liam coisas muito estranhas — para não dizer assustadoras — e, por isso, Alfredo anda perdendo um pouco o interesse.
Após entrar, perambulava pelos corredores a fim de encontrar tipos que frequentavam: um ótimo passatempo! Nessa brincadeira, já viu muita coisa estranha. Encontrou, uma vez, na parte de Literatura Brasileira, um cara íntimo de Machado de Assis. Falava como se tivessem sido amigos de infância, mas entregou o jogo na hora que o chamou de Machadão.
Às vezes havia algum livro sendo lançado. A maioria eram livros desconhecidos e com títulos nada atrativos, mas sentia algo — apesar de não saber bem o quê — ao ver a fila inteira esperando para ter o livro autografado, como se, de certa forma, assim como o serial killer guarda um presentinho de quem acabou de assassinar, o serial reader guardasse a assinatura do autor cuja obra iria devorar.
Os casos que mais o faziam rir aconteciam na sessão infantil. Sempre se pegava pensando se a culpa era das mães e dos pais de hoje em dia, que não têm a paciência e a dedicação necessárias, ou se as crianças estão cada vez mais parecidas com o Godzilla, agindo como se fossem monstros gigantes destruindo os prédios da cidade.
Nas sessões de sociologia, antropologia e filosofia sempre haviam boas discussões, mas na maioria dos casos a discussão era ruim mesmo. A última que Alfredo ouviu, teve que sair antes do fim, sem descobrir o desfecho, caso contrário, iria acabar interrompendo e colocando cada um no seu devido lugar.
Nas estantes de poesia, a discussão era outra: qual era o autor mais genial. Enquanto um defendia Drummond, o outro o inferiorizava, dizendo que versos livros qualquer um faz, mas já um poeta que usa rimas ricas e versos decassílabos, esse sim é o verdadeiro poeta.
Há também muita quebra de estereótipos e contrastes interessantes para se observar: o roqueiro que lê sobre meditação; o grande e gordo homem com cara de mau que sorria, graciosamente, sempre que virava a página; o casal bem vestido, com roupas de grifes e cabelos impecáveis, que desistia de comprar porque acha o livro muito caro; e até mesmo a moça da blusa com estampa de uma das obras de Van Gogh que andou por toda loja conversando com alguém pelo celular.
Em meio a tantos tipos e tantas discussões, hoje, Alfredo fez diferente e nem percebeu, pois, diferentemente de todos que sentam nos sofás para ler um pouco, sentou e, observando a todos, escreveu.