Geovani, o azarado otimista
Publicado em 11/04/2015 por Gustavo Dutra
Geovani está indo para a lotérica, arriscar a sorte mais uma vez. Ele joga desde os dezoito anos de idade, rigorosamente, todo mês na mega-sena. Chegou a ganhar uma vez, mas seu bilhete fora sido lavado no bolso da bermuda. O pior, a bermuda nem precisava ser lavada, colocou sem querer no cesto de roupa suja, por descuido mesmo.
Depois de perceber o problema, realmente teve que concordar consigo mesmo, era novo demais para ter tanto dinheiro, provavelmente iria se perder na vida. Foi melhor não ter ganho, se era para ganhar naquela época. Mas agora estava mais maduro e saberia aproveitar.
De qualquer forma, estava acostumado: nem tudo dava certo na vida de Geovani. Alias, talvez desse mais errado que na vida de muita gente. Geovani tinha uma inclinação para o desastre, o que faz com que, se estatísticas realmente funcionam, alguém por aí tivesse uma dose extra de sorte. Gostava de pensar que dava sorte a alguém.
Pior do que isso, seu azar era tanto, que o próprio azar fora herdado de seus pais, que fora herdado dos pais deles, o que, na probabilidade, tendo em vista a chance de isso acontecer, era muito pequena.
Geovani até estudara na faculdade uma vez que a chance de isso acontecer seria a chance dos avós serem azarados multiplicados pela chance dos pais serem azarados multiplicados pela chance dele mesmo ser azarado. Não chegou a um número certo, mas com certeza era muito baixo. Realmente era azar.
Nascera sem a intenção dos pais. Não que fossem descuidados, pelo contrário, sempre fizeram sexo com preservativo. Acontece que a camisinha da vez pertencia a um lote com defeito, cuja empresa fabricante acabou fazendo recall.
Muita gente já sentia vergonha de passar camisinha no caixa da farmácia, imagina ter que levar lá e pedir para trocar. Ninguém fazia isto. Mas mais azar do que isso, foi que a divulgação do recall ter sido feita apenas pela televisão, que, por azar, estava estragada na casa do seus pais há semanas.
A televisão estragou três vezes seguidas, o que já estava dando uma certa raiva ao pai de Geovani. Mas, pensando pelo lado positivo, pensava que não precisava ser obrigado a assistir a programação ruim e poderia usar o tempo, que antes cedia a televisão, para ler e fazer sexo. Foi num dia desses, que entediado de ler, o pai de Geovani passou adiante o seu DNA azarado.
Mas no meio de tudo isso, Geovani via como sorte o fato de ter duas gerações de azarados ensinando como lidar com o azar. Isto fez de Geovani, dentre todos os seus amigos, o mais otimista. Aprendera com a experiência do avós e dos pais: se era pra ter azar, que fosse pelo menos otimista, assimm o azar anulava um pouco.
Um exemplo é a verruga que tem no pulso. De tão otimista, enxergava a enorme verruga no meio do seu pulso como um pomposo relógio de sol. Quando lhe perguntavam às horas, só de desaforo, punha o pulso abaixo da luz do sol e dava as horas. Quando lhe perguntavam porquê não remover a verruga e usar um relógio normal, explicava, triunfalmente, que gostava da coisa mais vintage.
Por ter graves problemas de visão e usar um óculos com lentes realmente grossas, já sofreu bastante nas mãos dos colegas. Mas foi no trabalho, quando tropeçou e caiu no chão, fazendo com que, no impacto, o óculos voasse para longe, que viu o maior problema de precisar usá-los.
O óculos voara e, tapeando o chão, andou pelo escritório, encostou num fio já meio gasto, levando um choque. No reflexo, sacudiu a mão, batendo-a na mesa de seu colega, que levou um assusto e, como estava com a caneca de café quente na mão, acabou jogando no peito de seu chefe que, pelo calor, gritou e deu um pulo para trás — igual a Xuxa dava quando cantava “de peixinho vai pra trás” — , batendo bunda a bunda com a moça da recepção — que estava de cara com o funcionário por quem ela tinha uma queda — que, impulsionada para frente, foi agarrada pelo funcionário.
Foi uma reação em cadeia de um azarado, que acabou com o próprio azarado sendo demitido, mesmo não tendo culpa de nada. Mas saiu aliviado quando descobriu que a recepcionista havia saído para jantar com o funcionário que desejava, depois de todo reboliço. Era necessário ser otimista e ver apenas o lado bom.
Por isso, Geovani está indo apostar mais uma vez. Se seu avô já fora atingido duas vezes por um raio — o que relacionam por aí com a probabilidade de ganhar na mega-sena — , ele sentia que tinha chances de ganhar uma segunda vez na mega-sena. Havia, ainda, a chance de alguma coisa acontecer e não o permitir recuperar seu prêmio ou até mesmo algo impedí-lo de gastar a quantia toda, mas isto não seria o suficiente para tentar.
Enquanto tivesse forças de tentar, seguiria em frente. Mesmo que o azar hereditário não permitisse que tudo fosse uma maravilha, sempre há algo bom — pelo menos para os outros — , quando algo dá errado.