Júlia, a futura cineasta
Publicado em 13/04/2015 por Gustavo Dutra
Já estava no seu segundo ano, quando andava de ônibus aquele dia. O tempo passara muito rápido, só mais alguns poucos anos e estaria formada. Sempre simpatizou com a idéia de ganhar muito dinheiro só para esfregar na cara de todo mundo que foi — e muitos ainda são- contra, mas não valeria a pena, não. Aquela profissão era um sonho pessoal, não era uma vingança.
Julia era uma garota adorável! Os pais só queriam o seu bem, por isso, apenas por isso, é que tanto tentaram convencê-la a prestar um vestibular para psicologia. Mas, cinema? Isso é coisa de vagabundo! — pensavam os seus pais. Mas Julia não era como uma dessas meninas frágeis que permite a outros fazerem escolhas e decidirem o seu próprio futuro.
Queria por que queria ser cineasta. Desde pequena enxergava o mundo como se fosse por uma telinha. Ao avistar uma borboleta, por exemplo, tentava imaginar uma moldura ao entorno — utilizando os dedos — em forma retangular. Como se fosse um storyboard, enxergava o mundo, as cores e o dia-a-dia. Tinha tudo para ser cineasta. Queria por que queria fazer cinema.
Estava sendo bem difícil até então. Encontrar pessoas dispostas a gravar algo, encontrar locais interessantes para se filmar, precisar da colaboração de todos, tudo isso era muito complicado. Mas não desistiria, não!
Aquele dia tinha tudo para ser mais um dia normal e, como de costume, dentro do ônibus, lia um livro. O título mostrava uma certa complexidade na leitura, era alguma pergunta que envolvia Deus e economia, um paralelo que deixava claro que não era um livro religioso e, sim, alguma crítica à sociedade.
Júlia estava indo para uma mostra de cinema, onde poderia contemplar o trabalho de futuros colegas. Curta metragens e documentários, seus preferidos, estavam em cartaz lá. O que Júlia não sabia — e nunca saberá — é que um dos documentários foi produzido por dois homens que sentaram ao seu lado em um ônibus três anos atrás.
Na época, eles tinham mais ou menos uns vinte e seis anos cada, falavam em francês. Um deles era muito fluentemente, com cabelos castanhos claros, do mesmo tom da sua barba. Possuía, também, olhos azuis, que lembravam uma piscina com bastante cloro. Já o segundo tinha cabelos e olhos bem pretos e, pela pronúncia, notava-se que não falava francês tão bem.
Júlia sempre gostou de francês, adorava ouvir os discursos de Pierre Lévy e ler Jean-Paul Sartre no original, só para falar em voz alta e ouvir a si mesma falando em francês. Entender mesmo, não entendia nada.
Naquele dia, no ônibus, se quer prestou atenção nos homens falando em francês no ônibus. O cineasta estava de passagem no Brasil filmando para seu novo documentário. O outro, que falava mal a língua, era um ator que ajudava o francês com o português e com a parte técnica. Apesar da língua atrapalhar um pouco, ambos pareciam se entender muito bem.
Estavam procurando mais uma pessoa para ajudar na produção. Seria um ótima oportunidade para Júlia, que nunca chegou a tê-la. Foi uma dessas oportunidades que passam do nosso lado e nunca ficamos sabendo dela.
Teria adorado conhecê-los e talvez isso até ajudasse na sua carreira. Poderia ser uma ótima forma de motivá-la, já que seus projetos sempre acabavam descontinuados por falta de elenco ou de dinheiro.
Mas tudo bem, Júlia era esforçada. Iria ser cineasta custo o que custar. Estudava para isso e já começava a escrever suas idéias de curta metragens. Imagine só, Júlia expondo na mostra de cinema! Que tapa na cara seria para essa gente que a criticava por não ter feito psicologia!