Júlio, o apegado ao ônibus
Publicado em 01/05/2015 por Gustavo Dutra
Júlio está sentado na mesa do computador, olhando seus emails. Ele costuma fazer isso vez ou outra, porque sempre há alguma coisa interessante para se comprar ou algum convite para festa que recebe por lá.
Ah! Vocês precisam conhecer este garoto. Ele é uma dessas pessoas que só de olhar na rua faz você querer ser amigo dele. Da mesma forma como o cheiro de um perfume pode fazer você se interessar por uma pessoa, o jeito de agir e se vestir de Júlio fazem você querer ser seu amigo. É bater o olho e você já se imagina contando várias histórias da sua vida e o convidando para conhecer lugares que você tem certeza que ele achará sensacionais.
Talvez seja alguma identificação que as pessoas têm com suas roupas, talvez seja a sua postura, sua segurança e sua alta auto-estima. Não que ele seja pomposo e se ache o gostosão do pedaço, muito pelo contrário, ele é discreto, gosta de se anular de discussões. É uma pessoa que aparenta ser interessantíssima!
Ele trabalha em uma cafeteria no centro da cidade e, para chegar lá, precisava pegar uma linha de ônibus que passava perto da sua casa. Só havia um ônibus que fazia aquele trajeto, que o deixava bem perto do seu emprego. Porém, o ônibus demorava a passar. Passava de quarenta em quarenta minutos nos horários em que entrava e saia do trabalho, ou seja, no horário que ele realmente utilizava.
Isso fez com que Júlio tivesse uma espécie de ligação com os ônibus daquela linha. Alias, para ele, todos os ônibus pareciam ser o mesmo. Como se somente um carro fizesse o percurso. Não importava a hora do dia, ao avistar uma ônibus daquela linha, pensava: “É ele. Lá vem ele. Meu ônibus.”
Ele realmente se apegou aquela linha, ou aquele ônibus, como gostava de falar. Tanto isso é verdade que nos finais de semana, quando pegava um outro ônibus qualquer para ir a outros lugares, como parques e bares, sempre pensava naquela outra linha. Se um ônibus da dita linha passasse enquanto ele esperava por um outro ônibus, fitava com tristeza e acompanhava o ônibus com os olhos até perdê-lo de vista.
Sentia, inclusive, um certo arrependimento por desperdiçar a chance de pegar o ônibus. Mas ele não passaria por onde Júlia queria ir, tinha que ser forte! Apesar da tristeza, ele sabia que na segunda-feira, voltaria a pegá-lo. Tudo estaria bem.
Essa mania de se apegar às coisas, isso é mais forte do que ele. É algo que a mãe dele sempre fez e deve ter passado um ou dois genes adiante. Seu nome é Júlio, por exemplo, pois a mãe se apegou ao mês de julho. Julho era o mês de férias no colégio em que estudara quando pequena. Ela tinha uma frase que costumava dizer: “é em julho que eu vivo. Nos outros meses do ano eu apenas existo”.
Mas, hoje, enquanto lia seus emails, Júlio percebeu que um deles era uma proposta de emprego. É. Um emprego melhor em outra cafeteria. Já conversara com um amigo que trabalhou lá. O patrão parece ser melhor e o dinheiro no fim do mês, nem se fala! Como ia fazer diferença! Com certeza! Ele poderia economizar muito mais! Sua viagem para Londres estaria mais próxima do que nunca!
Ambiente melhor, salário melhor, mais próximo do sonho de viajar para Londres e ser barista em alguma cafeteria realmente bacana, não via nada negativo senão que para ir a este novo trabalho, entretanto, precisaria pegar um ônibus diferente. Ele poderia escolher, ainda, 3 linhas diferentes. Todas elas deixavam muito próximo de onde ele iria trabalhar.
Mal acreditava que se podia esquecer um grande amor, imgina esquecer da linha do seu ônibus! Achou um pouco radical deixar ela de lado de um dia para outro, afinal, o patrão queria que ele já começasse na semana seguinte. Que situação!
Muito se passou na cabeça de Júlio. Imagine, são três linhas que ele poder escolher, “qual vai ser sua preferida?”, “qual a segunda melhor?”, “qual a pior?” Ele poderia classificar, de repente tentar pegar aleatoriamente ou quem sabe pegar sempre na mesma sequência, cada dia uma diferente.
Mas, para isso, precisaria ter uma amostra considerável de cada uma delas, porque sempre há aquele cobrador mal-humorado que te olha com cara feia quando precisa te dar troco.
Alias, cobradores deveriam se organizar melhor. É raro quando você dá o valor exato da passagem. Geralmente você usa notas maiores, afinal, é difícil estar sempre com moedas disponíveis para pagar esses preços quebrados de passagens.
Era muita interrogação para pouca exclamação. Seria difícil tomar essa decisão. Pensava ora no dinheiro, em Londres, ora no ônibus. Ele analisava os fatos. O fato é que Júlio precisava tomar uma decisão antes da semana que vem!