Poemas
3 Haikais eróticos com comidas — Série 'E o haiku?'
a cor do mamão
em formato de mamão
dedos femininos
papo na cozinha
o volume na cueca
baba do quiabo
leite condensado
ávida abocanhada
leite que respinga
3 Haikus sobre Dinâmica Voyeur — Série 'E o haiku?'
de frente ao espelho
assiste ao próprio prazer
como num pornô
tirou a aliança
entregou-se ao estranho
o marido assiste
milhares de anônimos uma câmera ligada
remonta sense8
3 Haikus sobre Preliminares — Série 'E o haiku?'
massagem na próstata
dedos dos pés se contraem
líquido prostático
tatear sem dedo
triscando por entre os seios,
os seios da face
nádegas pra cima
palma da mão vai de encontro
som que reverbera
3 Haikais sobre Flerte — Série 'E o haiku?'
se é ou não é,
questiona a sexualidade —
tesão sobre a dúvida
desliza as mãos
após aperto de mão
olhares lascivos
pés atravessados
mãos se tocam sem querer
assistindo ao filme
3 Haikus sobre Fetiches — Série 'E o haiku?'
com o peito aberto
banha-se na cachoeira
amarela e morna
mão doce que afaga
enforcar devagarinho
boca que escarra
fedor de chulé
lambe a virilha suada -
um pinto no lixo
Anuns não respondem assobio
telégram-se anuns no fio
cantarolando em Morse
e por mais que eu me esforce
não respondem assovio
Cada verso é um decalque
poema é onde se cola;
verso é decalque — se solta —:
lacre que se rompe e não volta,
insígnia que me soma e assola
#genocídio
Poema #genocídio, presente no livro “ao antropoceno brevíssimo aceno ou um pot-pourri pro povo rir”
Privilégios
a flecha afronta o ar
peita destemida a pressão
rasga em rota a resistência
corta o corpo celestial
ao agudo da ponta, todo mérito
ao resto, torpor e descrédito
avante voa cética
à influência da força cinética
Shamata
Ao leste, a textura púmblea e tóxica das nuvens carregadas que pairam no além-mar não refletem a monotonia petrólea do movimento do oceano e distorcem a realidade plana e clara do peito aberto do céu esgueirado
A oeste, o amarelo árido da areia desértica das praias inóspitas marcam a pressão das pegadas de uma jornada caóticas e inesgotável sem destino
Ao centro, o farol violáceo da consciência ergue-se vertiginosamente em meio ao mar sob a lâmpada áurea da consciência da consciência
Coração em ruínas
percebo-me encolhido no centro geodésico da abóboda côncava de um salão lucilante de ilusões, erguida diante das galerias de opulência óbvia dos átrios atávicos à escuridão do meu peito
resisto, mas assisto incrédulo com paciência frágil ao espetáculo mágico do trincar gradativo das colunas de mármore do que senti, cujas rachaduras evidentes, ora mesclam-se à inerência da rocha
aceito ao esvanecer suave das escrituras proféticas de sonhos frustados pintadas à mão nas paredes sólidas através de processos análogos e cientificamente inexplicáveis das chuvas ácidas de choros doces de decepção e de raios solares sórdidos de esperança
Cosmologia da Linguagem
Sinto os bilhões e bilhões de anos do universo na aspereza decrépita e irregular das cascas das árvores e no fulgor branco sobre o verde das primeiras folhas
Vejo a evolução caótica e imprevisível do amanhã nos sons translúcidos oriundos do encontro das águas que correm por entre as montanhas gélidas de sabe-se-lá-onde
Escuto às vibrações do crepitar da fogueira que celebra o amarelo-laranja do contínuo nascer e pôr do sol do ínfimo tempo da vida de cada coisa e do infinito tempo de vida de todas as coisas que morrem e revivem e estão em eterna mutação
Princípio de Realidade
somem de mim os assuntos mergulhados em cloro e cândida, um id de brancura límpida, sem vida, sem bactéria, sem gosto, sem tom, sensato
somem de mim os afrescos pintados à mão livre nas paredes que circunscrevem os domínios hostis do superego da imaginação
somem de mim os resquícios moribundos de uma criança que outrora brincou nos jardins seguros do ego
mudo para ser um ser humano melhor, mudando quem eu sou, como eu ajo, como eu falo, como eu olho, como eu sento e como eu como mudo conforme as corporações conduzem a valsa do crescimento e do faturamento bruto a fim de me adaptar ao trabalho — que é de onde vem o dinheiro que me sustenta mudo, me mutilo e me deformo, me faço caber dentro das expectativas inevitáveis do homem empregador