Nigéria é o país que mais influenciou o Brasil Pelo menos é o que afirma meu cabelereiro
Publicado em 26/01/2016 por Gustavo Dutra
Eu geralmente corto o cabelo com um senhor de seus quase setenta anos em um salão onde todos os cabeleireiros tem mais ou menos essa idade. É sempre muito bom conversar com ele. É uma pessoa mais experiente na vida, que fala sobre onde comer bem e barato, sobre as netas e como era São Pulo há anos atrás.
Quem tem pouco cabelo como eu, que ainda novo já foi atingido por uma calvice precoce e um cabelo ralo no topo da cabeça, então cortar com um profissional experiente é sempre preferível: os erros são irreversíveis, diferente para quem tem cabelo comprido.
Porém, havia já dois ou três meses que eu queria raspar o cabelo com a máquina. Queria experimentar, ver como ficava no meu rosto oval o corte que usava quando criança, lá pelos oito a dez anos de idade.
Sempre senti vergonha de entrar no salão e pedir que passasse a máquina em tudo. Achava que seria uma afronta à experiência e à capacidade do senhor que sempre usava a tesoura com maestria, muitas vezes até sem pente, no olho mesmo.
Como a idéia era passar a máquina número 3, qualquer lugar poderia ser um bom lugar (com qualquer lugar, entenda-se, qualquer lugarzinho que se tenha uma placa com “corte masculino”).
Entrei em um estabelecimento que cobrava metade do valor que eu estava habituado. E falei: “tem horário para agora? queria passar a máquina”.
O cabeleireiro falou em uma língua muito diferente à que estava acostumado com uma moça que provisionou a cadeira e a toalha em torno do pescoço.
Quando o cara chegou para cortar o meu cabelo, fui obrigado a perguntar de onde eram, pois a língua era algo muito fora do normal. Disse ele que era nigeriano. A partir daí, a conversa só melhorou.
Diz ele que o Brasil daqui a cem anos será o melhor país do mundo para se morar; que, quem chega aqui sem saber nada de antemão, acha o paraíso nos primeiros meses, porém, quando se depara com a falta de segurança, acaba um pouco desiludido.
Mas afirmou categoricamente que o Brasil está cada vez com mais educação e cultura, que vê as crianças defendendo os seus direitos. “Há escolas e faculdades já, agora falta só melhorar a qualidade”, me provocava otimista.
Lembrou-me como o Brasil é diverso, que tem “nativo” (acho que se referia à índio), europeu, africano e asiático, tudo misturado e convivendo bem. Triste, contou que, na Nigéria, o islamismo está chegando com força, o que acabou trazendo guerras religiosas para o país. Aqui, há desrespeito com as crenças, principalmente com as afrodescendentes, mas não no nível que há em outros lugares do mundo.
O que mais me chocou na conversa foi que ele afirmava — de maneira muito orgulhosa — que o país africano que mais influenciou a cultura brasileira era a Nigéria.
Pode ser que tenha puxado sardinha pro lado dele, mas o que me afirmou fez sentido. Diz ele, que os portugueses quando chegaram na Nigéria, trouxeram, em maioria, negros da tribo dos Iorubás. Os ingleses, por sua vez, capturavam de outra tribo. Por isso o negro dos Estados Unidos são parecidos entre si, porém diferente do negro brasileiro: eram duas tribos diferentes.
Dos orixás do Iorubá, muito deles, como Obá, representam lugares na própria Nigéria. No caso de Obá, que ele citou como exemplo, Obá é um orixá que tem a ver com o Rio Obá (pesquisando depois, parece ser o Rio Níger). Segundo ele, as águas desse rio são curadoras e muitos vão lá para se curar.
Da parte da gastronomia, ele disse que o nordeste brasileiro praticamente come muitos práticos típicos da Nigéria. Pamonha e acarajé foram dois exemplos que me lembrei agora, escrevendo este texto, porém ele falou mais. Inclusive, disse que lá acarajé é chamado apenas de acara, o jé é coisa do brasileiro.
Na parte política, disse que Moçambique e Angola eram mais conhecidas pelos brasileiros em geral. Que só agora que a Nigéria estava ganhando mais notoriedade sobre nós.
Disse que se o Brasil continuar aceitando os estrangeiros e, através da educação, aprendendo sobre sua história, o Brasil se tornaria o melhor país para se viver no planeta. Mas antes, precisaria resolver os problemas com segurança e melhorar distribuição de renda.
O corte, que deveria ficar pronto em quinze a vinte minutos, demorou quarenta minutos. Paguei míseros R$ 20,00 pelo corte e ganhei de brinde uma baita aula sobre a história do Brasil do lado de quem foi escravizado.
P.S: na próxima vez, rasparei no número 5. O corte na 3 ficou baixo demais.