O espaço arquitetônico em 'À cidade', de Mailson Furtado (Jabuti 2018)
Publicado em 02/03/2020 por Gustavo Dutra
O vencedor do Prêmio Jabuti 2018, nas categorias Livro do Ano e Melhor Livro de Poesia foi À cidade , de Mailson Furtado : um poema de fôlego que fala sobre sua cidade natal. Ao longo do poema, o eu lírico canta o desenvolvimento, a mudança de ritmo, seu pertencimento e se afirma numa origem.
Meu interesse na obra começou com o fato do autor ter a autopublicado, o que contrariou o que acreditava até então, que só obras de editoras já reconhecidas participavam de tais premiações.
Passei a observar os indicados a este e outros prêmios, a prestar atenção às editoras dos livros sobre os quais resenhavam os booktubers ou discutiam os podcasters.
Até que usei À cidade como exemplo em um vídeo falando sobre a decentralização das boas publicações no Brasil lá no um barco ao mar, onde condensei o que eu vinha observando.
Durante a FLIP de 2019, trombei com o Mailson e, ao término da mesa de discussão da qual ele participou, conversamos. Fiquei super feliz de saber que ele havia assistido o vídeo no meu canal, e, mais feliz ainda, de ter recebido um exemplar do livro de suas mãos.
Dada a correria, o vai-e-vem e a quantidade de pessoas naquele espaço pequeno, fiquei um pouco perdido e não lembro nem se o agradeci apropriadamente. Também não me liguei de pedir uma dedicatória. Independentemente, que se registre a minha gratidão.
Li o livro dois ou três meses depois, apesar de estar escrevendo sobre a experiência só agora, em 2020. Desculpem meu anacronismo. Infezlimente, tenho dificuldades de me manter engajado na contemporaineidade virtual.
A cidade pela qual chorei
Pode soar bruto ou insensível, mas antes de ler À cidade eu nunca havia chorado lendo poesia. Digo isto me referindo a, literalmente, ter lágrimas me correndo os olhos durante a leitura de um poema. A literatura sempre me proporcionou uma imensidão de sensações, desde conforto e esplendor até os socos mais fortes no estômago e os vazios existenciais mais abissais. Lágrimas, entretanto, foi a primeira vez.
O poema-livro é dividido em 4 partes: presente, pretérito, pretérito mais que perfeito e futuro do pretério. E, como é possível perceber, há mais pretéritos do que futuro; e o futuro, ainda por cima, é incerto.
Ao longo do poema, como é de se imaginar, a cidade vai se transformando, não só na sua dinâmica (mercantes, moradores, estabelecimentos, praças ocupadas, banhos no rio) ou na sua arquitetura (criação de ruas, urbanização), mas também na geografia (o rio que gotejava se encontra com o mar). Toda essa história é contada à partir da interação da família do eu-lírico.
Mais importantes do que o significado das palavras escritas, o poema se destaca nos pontos onde não estão presentes. Para mim, a beleza e a poesia, se é que não são a mesma coisa, estão nos espaços em brancos, nos vãos, na indentação, no relevo do poema. As palavras se erguem como edificações, formando, entre elas, as ruelas de uma cidade.
Melhor do que tentar descrever, espalhei ao longo do texto, geográfica e arquitetonicamente, uma sequência de fotos com trechos do livro para ilustrar. É isso que foi À cidade para mim: um mapa que conta histórias, um livro de fotografias que revela uma forma de experimentar a vida.
Recomendadíssimo.