O cíclico em Girassóis Maduros de Léo Prudêncio (Editora Moinhos; 2017)
Publicado em 02/11/2019 por Gustavo Dutra
A natureza é, por excelência, cíclica. Que isto seja uma novidade eu duvido, mas há uma diferença crucial entre saber dessa informação e experienciá-la. Experienciar o cíclico não é estar preso nele. A esta prisão damos o nome de depressão. Tão pouco significa aguardar, com o coração nervoso, uma volta completa. Esta espera se chama ansiedade.
Na minha opinião, a única forma sadia de experienciar o cíclico é através de uma espiral, onde o ciclo, por mais que pareça se repetir, é visto com outros olhos, de outro ângulo, de uma outra forma.
Há meses, talvez até mais de um ano, flertei com o livro Girassóis maduros , de Léo Prudêncio , até que, mês passado, eu finalmente o li por completo.
Flertei porque o livro estava esgotado, senão teria lido antes. Toda vez que vasculhei o catálogo da editora Moinhos, me deparei com a capa e ela me chamava a atenção. Baixei o PDF, li os primeiros poemas e disse comigo mesmo “parece massa, hein?”.
Recentemente rolou uma segunda impressão do livro e eu, assim que pude, comprei. Depois de lido, o veredicto: muito mais que simplesmente “massa”. Tanto é que me instigou até mesmo a escrever este texto.
O livro expressa nitidamente esta espiral cíclica sadia. Mede 12x18cm e contém 68 páginas — quase um daqueles chaveiros em miniaturas vendidas como suvenir em viagens.
Assim como o livreto, todos os poemas são pequenos: 99 haicais, numerados, alguns no esquema tradicional de 5-7-5 sílabas poéticas, outros no formato livre.
Ao longo da leitura, os haicais parecem se repetir em temas, em palavras, em composição. Como em o Inominável, de Beckett, peguei inerte, pensando na vida e assistindo o que acontece do lado de fora de uma janela. É noite, é dia, é outono, é verão, cheiro disso, textura daquilo.
65. por onde eu olho há flores me perseguindo - primavera em goiânia 71. das profundezas do ser emergem folhas secas. é outono no âmago do poeta— Léo Prudêncio
Em alguns momentos, enquanto avançava na leitura, o livro me remeteu a uma sensação de que aquele poema já havia sido lido, mas não se engane: na espiral da natureza nada é igual. Ainda que o evento seja o mesmo, se manifesta de uma forma diferente; e este é o encanto do livro.
12. pássaros se atiram do último andar não há mortos nem feridos 59. tudo tão calmo que nem reparei quando a manga se jogou do 4º andar— Léo Prudêncio
E assim o tempo vai passando. O eu lírico faz mais do que apenas saber que o outono chegou novamente, que a primavera está aí e que as flores irão se abrir, que é noite e as estrelas enfeitam os galhos secos das árvores; o eu lírico experiencia o cíclico através da contemplação.
Foi aí que o livro me ganhou. A poesia é, para mim, contemplação: o estado mais elevado que podemos atingir. É onde realmente entramos em contato com a realidade. Todo aquele papo de aqui e agora, gratidão, o divino, o eu sou, etc, são experiências de contemplação, tal qual a leitura de Girassóis Maduros.