Resolução para 2022: desistir de ser escritor, mas nunca de publicar livros
Publicado em 07/01/2022 por Gustavo Dutra
Quando falamos em resolução de ano novo, sempre pensamos em começar — uma dieta, um hábito, um projeto —, nunca em desistir. Até pensamos em parar — por exemplo, deixar de fumar ou de correr atrás de amores não correspondidos. Mas, neste 2022, o que eu quero é desistir. Mais especificamente, desistir de ser escritor.
Desistir é muito mais difícil do que parar. Parar está relacionado com uma ação. Se fosse o caso, me bastaria deixar de escrever. Isso eu não quero. Quero desistir de ser escritor, ou melhor, de me tornar um.
Ainda que não escrevesse mais, a produção incessante do desejo de ser escritor continuaria em curso. Psicologicamente, seria marreteado à todo instante pela ideia de ser escritor.
Minha pretenção é a de desistir: tirar do horizonte o próprio desejo pelas vendas, pela publicação e pelo reconhecimento. Quero apagar este sonho que me persegue há anos.
Desde pequeno, sempre quis ser, de alguma forma, escritor. No início do Ensino Médio, escrevia textos satíricos onde os personagens e os fatos eram inspirados no dia-a-dia da escola. Aos 14 anos, enviei 35 páginas de um livro de fantasia escritas por mim para a professora de história, que também era dona de uma gráfica. Ela me incentivou a concluí-lo, e também ofereceu ajuda para as impressões do livro. Lembro até hoje da animação.
Aquele livro, entretanto, não avançou. Aprendi que para ser escritor não basta escrever. São necessários planejamento, organização das ideias e, principalmente, o abandono da ansiedade de publicar
O processo de escrita de um livro é demorado, requer reescrita e desapego — jogar fora trechos que você gosta, mas que não corroboram com a obra, por exemplo. Também requer disciplina e esforços tão árduos em atividades chatas que intermitentemente tenho vontade de abandar tudo. Mas disso eu nunca desisto.
Estou desistindo do sonho de ser escritor. Quero me desfazer da angústia que se instala no peito. Da culpa que surge quando estou em casa escrevendo, e penso que deveria estar na rua vivendo a vida; e que reaparece quando estou na rua vivendo a vida e penso que deveria estar em casa escrevendo.
Quero abandonar a “carreira de escritor” sem ao menos ter iniciado uma
Por muito tempo, me culpava por não estar estudando ou escrevendo. Tratava sempre de me ocupar. Cursei oficinas de escrita criativa, cursos relacionados ao mercado editorial, assisti a inúmeras lives falando sobre como se tornar um escritor de sucesso.
Os profissionais do mercado editorial são unânimes: para ser publicado por uma editora, mais importante que a qualidade, é a comprovação de uma viabilidade comercial. Editoras precisam mitigar o risco do livro encalhar e mofar nos estoques. Elas precisam garantias — ou ao menos evidências — de que o livro terá mercado e venderá.
É um acordo, um acordo válido. A editora aposta no seu livro e você se esforça para fazê-lo vender. Isso significa que, para escritores que estão começando, como eu, boa parte trabalho deve se concentrar na divulgação e construção de uma base de leitores. Isso é uma constatação, um fato.
Acontece que as redes sociais mais proeminentes para a função são também as que mais tenho desinteresse. Uso o Twitter apenas para consumir notícias. Nunca tive uma conta de Instagram minha, sempre para meus projetos, pois não tenho interesse algum em expor minha vida. Sou feliz fora dos Stories e não tenho ímpetos de compartilhar o que vivencio com o mundo. O TikTok não cheguei a usar, mas assisti alguns Shorts do YouTube e já entendi o quão estúpida e nociva é a dinâmica dessa rede.
Em outras palavras: ainda que eu conheça caminhos efetivos para divulgação do meu trabalho, não estou disposto a percorrê-los. Os algoritmos são maquiavélicos, e exigem do criador de conteúdo uma dedicação que não quero dispor.
Ademais, ao rever meus objetivos com a escrita, investigando a psicologia por trás da minha vontade de escrever, percebi que não quero dinheiro ou fama, mas uma discussão de ideias e valores presentes nos meus textos.
O número de exemplares vendidos seriam apenas métricas de vaidade. Afinal, não estou interessado em quem compra, mas em que de fato lê, interage e está disposto a discutir. Nesse sentido, o meu perfil não é interessante às editoras. Elas são empresas e visam lucro. Eu viso o debate.
Isso não significa, é claro, que eu não vá divulgar minha obra. Seguirei postando meus poemas no GustavoDutra.com e no Fazia Poesia. Já fui publicado em revistas como a Mallarmagens, e também continuarei a publicar frequentemente a Curto Poema, minha newsletter para quem gosta de poesia, que passará por algumas reformulações.
Por fim, meu processo de escrita relacionado à poesia está sendo registrado no meu canal do Youtube, o um barco ao mar. Lá, publico vídeos sem recorrência definida, apenas quando tenho algo interessante para compartilhar. Contrario os desejos dos algoritmos e, mesmo assim, o canal continua crescendo e ganhando mais visualizações. O número de comentários tem aumentado, e penso que a plataforma pode me ajudar na criação desse ambiente de discussão que mencionei.
Desisti de ser escritor porque não quero ser publicado por uma editora. Se tudo der certo, terei ao menos mais cinquenta anos de vida pela frente. Não há porque abrir mão da minha qualidade e estilo de vida, ou ainda de alguns valores, para conquistar vendas vazias.
Isso pode mudar no futuro. Mas, em 2022, continuarei a publicar meus livros da forma mais acessível possível, mesmo que isso seja contra a própria lógica do mercado editorial.
Quero estar na Amazon, pois ela é uma ótima ferramenta de distribuição, mas meus livros devem sempre ter uma opção de download gratuito. A única exceção, por enquanto, é o ao antropoceno brevíssimo aceno ou um pot-pourri para o povo rir, um livro-performance que critica o capital. Ele custa às vezes R$13, outras R$17. A decisão do preço é sempre uma escolha muito difícil.
Recentemente, iniciei o processo de editoração do meu primeiro livro infantil. O texto foi finalista do Prêmio Off-Flip 2020 e se chama Psiu, o passarinho que fugiu. É composto em estrofes de três versos com rimas. A história foi inspirada nas músicas Meu passarinho fugiu do Jackson do Pandeiro e História dos Passarinhos do Gildo de Freitas. Talvez tenha livros físicos, talvez apenas o PDF. Descobriremos ao longo deste ano. Enquanto isso, estarei escrevendo. Até!