Como Allan Poe escreveu "O Corvo"? Segundo seu ensaio "A Filosofia da Composição"
Publicado em 24/02/2019 por Gustavo Dutra
Edgar Allan Poe escreveu um poema que ficou muito famoso. Chama-se The Raven no original e O Corvo . Um dos motivos pelo qual ele chama a atenção é a qualidade e originalidade do poema. O poema foi, inclusive, possui traduções de Machado de Assis de Fernando Pessoa .
Muitos de nós, poetas, vamos escrevendo nossos poemas muito sem saber como, intuindo aqui e ali. Dificilmente pensamos em processos, de forma metódica ou sequer analisar os diversos momentos de criação para verificar se há intersecções. Poe, em um ensaio chamado A filosofia da composição , diz:
Muitos escritores, especialmente os poetas, preferem ter por entendido que compõem por meio de uma espécie de sutil frenesi, de intuição estática; e positivamente estremeceriam ante a idéia de deixar o público dar uma olhadela, por trás dos bastidores, para as rudezas vacilantes e trabalhosas do pensamento [...] — Allan Poe. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado
Bom, depois de defender a análise de um processo de criação, expõe o processo que usou para criar o poema “O Corvo”.
Posto que o interesse dessa análise ou reconstrução, que tenho considerado como um desideratum [de desejo], é inteiramente independente de qualquer interesse real ou imaginário na coisa analisada, não poderei ser censurado se revelo aqui o modus operandi [modo de trabalho] utilizado para construir uma de minha obras. Escolhi "O Corvo" por ser esta a mais conhecida de todas. Meu propósito consiste em demonstrar que nenhum ponto da composição pode ser atribuído à intuição ou à sorte; e que aquela avançou até seu término, passo a passo, com a mesma exatidão e lógica rigorosa de um problema matemático. — Allan Poe. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado
Antes de repassar o seu método, vale ressaltar: não acho que seja interessante copiar o seu processo. Não acho interessante nem afirmar que todos nós precisamos ter processos próprios. Mas acho muito importante conhecer outras maneiras de pensar o fazer poético, de forma que possam nos inspirar ou gerar insights sobre nosso próprio modo de fazer poesia.
Primeiro, ele comenta sobre poemas longos, perguntando-se qual o ganho real de um poema extenso. De cara, já responde: nenhum. E para justificar, utiliza o Paraíso Perdido como exemplo, afirmando que não é um poema longo, mas inúmeros poemas pequenos intercalados por prosa. Decide, então, que o poema teráem torno de 100 versos.
Depois, pensou no efeito que o poema deveria causar. Como, para Poe, a beleza era um dos temas mais retradados em poemas, escolheu este. E para chegar no sentimento de beleza e encanto, optou pelo tom melancólico, já que é a beleza está na mais alta manifestação melancólica.
Consultando algumas obras e percebeu que nenhum outro efeito artístico fora tão vastamente utilizado quanto o refrão.
Como é comumente usado, o refrão poético, ou estribilho, não só se limita ao verso lírico, mas depende, para impressionar, da força da monotonia, tanto no som, como na idéia. O prazer somente se extrai pelo sentido de identidade, de repetição. — Allan Poe. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado
A escolha do refrão deu-se pela necessidade de repetí-lo diversas vezes. Logo, precisava ser algo pequeno. Então, pensou na palavra Nevermore (nunca mais). Ela era forte o suficiente para ser repetida e também para finalizar o poema. Agora, com o refrão em mente, precisava achar uma forma que fizesse sentido repetí-lo diversas vezes. Uma pessoa falando somente “nunca mais” seria estranho, então surgiu a ideia de por um animal. O primeiro animal pensado era um papagaio, porém, como não ia de encontro com o tom melancólico desejado. Um corvo, entretanto, seria uma escolha muito mais adequada.
Um corvo repetindo “nunca mais”, melancolia, beleza, sobre o que mais poderia tratar o poema? Somente da morte! E o que mais melancólico do que um amante apaixonado que perdera sua amada?
Tinha, pois, de combinar as duas idéias, a de um amante lamentando sua morta amada e a de um Corvo continuamente repetindo as palavras "Nunca mais". E tinha de combiná-las tendo em mente meu propósito de variar, a cada vez, a aplicação da palavra repetida, mas a única maneira inteligível de tal combinação era a de imaginar o Corvo empregando a palavra, em resposta às perguntas do amante. — Allan Poe. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado
A escolha do refrão deu-se pela necessidade de repetí-lo diversas vezes. Logo, precisava ser algo pequeno. Então, pensou na palavra Nevermore (nunca mais). Ela era forte o suficiente para ser repetida e também para finalizar o poema. Agora, com o refrão em mente, precisava achar uma forma que fizesse sentido repetí-lo diversas vezes. Uma pessoa falando somente “nunca mais” seria estranho, então surgiu a ideia de por um animal. O primeiro animal pensado era um papagaio, porém, como não ia de encontro com o tom melancólico desejado. Um corvo, entretanto, seria uma escolha muito mais adequada.
Um corvo repetindo “nunca mais”, melancolia, beleza, sobre o que mais poderia tratar o poema? Somente da morte! E o que mais melancólico do que um amante apaixonado que perdera sua amada?
Tinha, pois, de combinar as duas idéias, a de um amante lamentando sua morta amada e a de um Corvo continuamente repetindo as palavras "Nunca mais". E tinha de combiná-las tendo em mente meu propósito de variar, a cada vez, a aplicação da palavra repetida, mas a única maneira inteligível de tal combinação era a de imaginar o Corvo empregando a palavra, em resposta às perguntas do amante. — Allan Poe. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado
Então, Poe escreveu a última estrofe de seu poema. Todas as estrofes que viessem antes precisavam ser mais fracas, ou seja, todas elas precisavam ter menos impacto do que a última, para que o efeito do refrão fizesse efeito. Aceitou que, caso criasse uma estrofe mais impactante que a última, não exitaria em torná-la menos importante.
Quanto à originalidade da métrica e do ritmo, ele comenta que não há muito. Porém, deixa uma outra lição super importante:
A verdade é que a originalidade (a não ser em espíritos de força muito comum) de modo algum é uma questão, como muitos supõem, de impulso ou de intuição. Para ser encontrada, ela, em geral tem de ser procurada trabalhosamente, e embora seja um mérito positivo da mais alta classe, seu alcance requer menos invenção que negação. — Allan Poe. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado
Como local, escolheu o quarto. Pois o quarto fora onde ambos haviam passado ótimos momentos juntos. Isso reforçaria o sentimento de melancolia.
Durante todo o poema, o amante desconfia que quem bate à porta é o espírito da amada, mas nunca a encontra. Isso foi proposital para criar um clima até chegar ao êxtase da última estrofe. Há também vários elementos constrastantes: chovia muito lá fora e o quarto era calmo e quieto; já o busto de mármore era branco; e o corvo que pousa sobre ele, preto.
Tudo foi escrito de forma a tornar clara a simbologia do corvo. Há alguns outros detalhes no texto que não abordei aqui, mas creio que tenham sido o suficiente para nos fazer questionar: como são os meus processos criativos?
Você já pensou sobre eles? Deixe nos comentários!