Como escrevi um poema Passo a passo
Publicado em 23/07/2020 por Gustavo Dutra
Transcrição do áudio do vídeo
Nesse vídeo, eu quis trazer um tipo de conteúdo que ainda não tinha feito, mas acho super interessante, que é o seguinte: vou pegar um poema que escrevi e vou reproduzir o passo a passo de como que eu cheguei no resultado final, em um resultado que achei legal.
Qual a ideia por trás: sempre que eu vejo alguém, algum escritor, algum poeta falando sobre seu próprio processo criativo, eu sempre acho que eu consigo tirar alguma coisa para mim, que eu posso me apropriar de alguma ideia, me sentir mais seguro de que estou no caminho certo, porque vejo que outras pessoas também passam pela mesmas dificuldades.
Esta é uma espécie de tentativa de simular o behind the scenes, o por trás das câmeras, como se fosse aqueles filmes que depois dos créditos mostram as cenas com o cromaqui, aquela tela verde. Seria uma coisa mais ou menos nessa linha, da gente tentar simular essa situação. Você assistindo, então, poderá decidir o que dá para aproveitar.
Agora, nesse tipo de situação, a primeira coisa é que eu nunca apago uma linha ou uma palavra. A não ser que eu tenha a certeza de que aquilo realmente é o resultado desejado.
Eu na verdade, fui criando uma própria linguagem (posso falar dela em outro vídeo, talvez seja mais apropriado). Mas o fato é que eu tenho várias versões do poema até que ele chega numa versão que eu digo “fechou”, “é isso”.
Um ponto importante, que é bom destacar, é que não existe uma fórmula. A forma que estou demonstrando aqui é o jeito que funciona para mim, principalmente para esse poema. A cada poema meio que a gente vai ter que criar um jeito de resolver diferente, como se cada poema fosse um problema completamente diferente que nós temos que resolver.
O conhecimento tácito, o conhecimento que a gente acumula empiricamente ao longo de tantos poemas, vai nos ajudando e vai nos moldando, vai evoluindo na prática. Não necessariamente, em cada poema, a gente vai usar o mesmo roteirinho, as mesmas ferramentas.
Não existe uma fórmula, mas é sempre bom avisar que esta foi a fórmula que eu achei para esse poema, que segui para esse problema. Até porque um poema, se a gente fosse adepto a fórmulas e sempre se usasse a mesma, não estaríamos sendo artistas. A gente estaria sendo um engenheiro. Perderíamos o poder artístico, que é realmente essa capacidade de inventar e de se reinventar o tempo todo.
Então eu vou tentar usar a edição do vídeo para passar para vocês os textos descritos. E aí talvez fique mais fácil de vocês visualizar a poesia também, a evolução dela.
Mas enfim estava eu dentro de um ônibus e fazendo um trajeto longo e tal. Já era fim da tarde, passado das cinco e pouco, e aí começou um pôr-do-sol. Eu estava passando por um lago, olhando pela janela do ônibus, e aí escrevi os seguintes versos num bloco de notas do celular:
O céu se maquia com as luzes do pôr do sol no reflexo da lagoa
Foram esses os primeiros versos. Mas não fiquei satisfeito. Queria que ficasse mais clara a relação de que tivesse um espelho. Então esse primeiro ponto de observação a gente se apega, às vezes a ideias, e às vezes a gente se apega a palavras ou versos.
Nesse caso, aqui, estou apegado a ideia. Eu queria passar essa ideia, não importa qual fosse os versos. Porém, tinha que ter céu, lagoa e maquiagem.
Estes foram o gatilho do poema, a ideia de que o céu estava se maquiando. Segui alterando o texto, então:
no espelho da lagoa o céu se maquia com as cores do pôr do sol com as cores do fim da tarde
Aí vocês vejam, “com as cores do pôr do sol” e “com as cores do fim da tarde”. Ou seja, eu escrevi dois versos que são o mesmo verso.
Aí vem um pouco do meu processo. Eu vou escolher um verso ou outro, mas eu deixei anotados ambos porque não consegui decidir na hora qual dos dois era o melhor. Joguei a decisão para o Gustavo do Futuro, ele que se resolva com isso.
Depois, vale lembrar que não necessariamente quando surge o poema a gente vai ficar trabalhando em cima daquele trecho constantemente. A vida continua, a vida não para. Um tempo depois, alguns dias, eu não sei as datas exatamente, mas alguns dias depois eu volto a mexer neles por algum motivo.
Às vezes, é uma palavra que lembra esse poema, que surja e resolva esse problema. As coisas rodam meio que assíncronas na minha cabeça. Não é uma coisa linear, é caótica.
E se eu voltasse para a essência? Tirasse um monte de palavras desnecessárias? E aí eu fiquei com:
o céu se maquia no espelho da lagoa
“No espelho da lagoa” ainda não está bom. É um exercício que eu gosto de fazer, de voltar. De voltar à sensação que eu tive na hora que o que o poema surgiu. Então, tento reproduzir internamente as sensações.
E eu lembro que foi uma coisa muito despretensiosa, muito, estava viajando e todo mundo dormindo, cuidando da sua vida dentro do ônibus e aí eu olho para o fim da tarde, que estava lá.
Então botei assim:
no espelho da lagoa maquia-se sem alarde o céu aberto com o fim de tarde / no fim da tarde / com as luzes do fim da tarde
Deixei outras opções: “com o fim da tarde”, “no fim da tarde” e “com as luzes do fim da tarde”.
Mas eu queria deixar claro a relação entre as luzes e a maquiagem. De certa forma eu queria que isso fosse bem mais explícito do que está ali. Estava faltando dizer que o céu estava se maquiando no espelho, que é o reflexo da lagoa, com as luzes, com as cores do pôr do sol.
Nessa versão também achei uma outra palavra, que era alarde. Palavra muito interessante, que rimava com tarde. Decidi seguir essa linha porque parece que estava funcionando. E escrevi:
no espelho da lagoa maquia-se sem alarde o céu com as luzes do fim da tarde
São quatro versos, ficaram bem melhor.
Mas quando eu falo em voz alta, e aí a gente vai repetindo várias vezes em voz alta, esse poema, quando chega “com as luzes no fim da tarde”. Tem alguma coisa que está travando o poema de fluir. Tem alguma coisa que não está cem por cento.
Ficou arrastado, não está fluido, não está gostoso. Poderia ficar melhor. Então a gente vai refletindo, o tempo vai passando e etc. E aí surgem, então, os versos que dei como concluídos, que, ao invés de quatro versos como a maioria do do poema ficou, eu mantive em três. Então ficou assim:
o céu, no espelho do lago, se maquia sem alarde com luzes do fim da tarde— Gustavo Dutra
Viu que aquele céu atrapalhava ali? Aquele o céu com as luzes atrapalhava. Parece que fica muito mais fluido nessa última versão.
E essa foi uma grande jornada, não grande no sentido de ter muitas versões ou edições. Mas em tempo foi. Foram meses de trabalho.
A gente sempre volta, dá umas mexidas, volta, não acha nada melhor, mas sempre tendo várias opções. Então essa era uma das coisas que queria compartilhar. Trazer esse behind the scenes, por trás das câmeras.
Deixe aí nos comentários se você achou interessante esse tipo de vídeo, se vocês querem mais sobre o outros poemas, como foi o meu processo…
Alguns são muito mais desgastantes, outros poemas são menos desgastante. Mas acho que são interessantes para quem escreve entrar em contato com isso.
Gostou da poesia? Gostou do vídeo? Deixa os comentários.
Mas por enquanto é isso.
Um abraço e até a próxima.