A busca pelo estilo do poeta Reflexões sobre estilo poético
Publicado em 30/04/2018 por Gustavo Dutra
É normal, quando começamos a escrever poesia, fazê-la de forma muito parecida com a de poetas que gostamos. Neste processo de formação, digamos assim, somos influenciados cada vez que nos deparamos com alguma obra ou autor que nos toca.
Com o passar do tempo, caso seja investido um pouco de esforço em cima da nossa motivação poética, fica mais claro distinguir o que há de mim e o que há de outros. Essa distinção depende do próprio autoconhecimento, ou seja, perguntar-se ‘qual o meu estilo?’ equivale à pergunta de ouro ‘quem sou eu?’.
O caminho a ser percorrido é paralelo, mas, ao mesmo tempo, há intersecções. Não há como conhecer seu próprio estilo sem conhecer a si mesmo. Como surge, então, poetas com diferentes temas e diferentes estilos e usos da linguagem?
Em minha opinião, é a experiência de vida que influencia. Não quero entrar no mérito de se nascer poeta, se é dom ou se a pessoa torna-se poeta. Parto do princípio que a pessoa já é poeta. Já escreve. O que molda seu estilo?
Bom, para explicar melhor, vou me utilizar do termo duração, estipulado pelo filósofo Henri Bergson . Imagine uma linha do tempo. Ela começa no passado (infinito) e vai até o futuro (infinito). O presente seria algo parecido com player do YouTube: uma posição que transcorre por essa linha. Tudo à esquerda desta linha é passado; tudo à direita desta linha é futuro; e o presente é o momento divisor, não existindo propriamente, mas sendo uma barreira que separa passado do futuro. Esta imagem simboliza o tempo quantitativo, ou seja, aquele que pode ser medido e é utilizado na física, na astronomia, na matemática.
Existe, porém, um outro tempo. O tempo que é percebido pelo espírito, sendo este qualitativo. Bergson diz que o passado, para o espírito, é contemporâneo ao presente, ou seja, não há distinção do passado para o presente. Tudo é presente.
Isso quer dizer que através das memórias, das sensações (dos 5 sentidos), das percepções e tudo mais moldam o nosso presente. A forma com que enxergamos ou reagimos ao presente está diretamente ligado a este passado pelo qual passamos.
Assim, ao ler um livro duas vezes, o livro já não é o mesmo, bem como o rio de Hieráclito não era o mesmo. Não eram o mesmo, porque não somos os mesmos. Nosso cérebro percebe coisas diferentes de forma diferente e isso muda tudo.
A cada instante, o presente mescla-se com o passado e atualiza a forma com que enxergamos o mundo. Então, ao comer um bolo de chocolate da sua avó pela primeira vez a sensação é uma; ao comer o bolo de chocolate da padaria, a sensação do bolo da sua avó (sabor, textura, aroma) é ativada no presente como se estivesse no passado, e isso permite comparar ou gerar novas ideias. A este espaço de armazenamento do passado - que é constantemente atualizado pelo presente - Bergson dá o nome de duração.
Como as sinapses, o ambiente e mais um monte de variáveis muda de pessoa para pessoa, essa duração será sempre diferente. Imagine duas pessoas, uma ao lado da outra, assistindo a um pôr-do-sol. Cada uma está vendo e sentindo coisas distintas. Se fossem fazer um poema, por mais que tivessem compartilhado o mesmo instante, cada um se manifestaria de forma diferente. É daí, em minha opinião, que surge o estilo do poeta, da sua duração.
E se tudo que lemos nos provoca sensações e atualiza nossa duração, é evidente que no começo da nossa jornada, nosso estilo deve mudar mais, pois ainda estamos formando uma duração mais sólida. Mais velhos, teremos tido contato com mais coisas e as atualizações das nossas durações devem ser menores e assim, temos a tendência de mudá-lo menos.
O ser humano, entretanto, é um ser vivo e, como tal, irá estar sempre sujeito às mudanças. Portanto, o estilo pode variar ao longo do tempo, o que pode definir suas “fases”, como a academia gosta de segmentar para estudo. Como Antônio Cândido falou uma vez durante a FLIP, os estudos sobre um autor costumam começar apenas após a sua morte, já que até o fim, é possível que ele mude. Nada será definitivo enquanto o poeta estiver vivo. Este assunto, entretanto, pode ser discutido em outros momentos.