Fanopeia através de Simone de Andrade Neves e Maiakovski O aspecto visual do poema
Publicado em 18/03/2018 por Gustavo Dutra
Ezra Pound , um crítico e poeta norte-americano, escreveu no livro ABC da Literatura sobre três aspectos para se avaliar poesia: o aspecto sonoro, o visual e o reflexivo. A eles, respectivamente, deu o nome de melopeia, fanopeia e logopeia.
A ideia dessa série de três posts é entender cada um deles e verificar como são inseridos na nossa própria poesia, para, assim, trazer pro consciente e utilizá-las a nosso favor. Com isso, também podemos encontrar novos caminhos para escrever cada vez melhores poemas.
No post anterior, falamos sobre as melopeias, que é o aspecto sonoro da poesia. Neste, vamos falar sobre as fanopeias, ou seja, sobre as imagens que a poesia produz na nossa cabeça. Um exemplo seria o poema de Simone de Andrade Neves , do livro Corpos em Marcha , chamado ‘Os gados’.
Os gados Os bois cabeças e patas em círculo centrípeto urram e propagam montanhas acima, às orográficas, uma morte. Cessado o réquiem citadinos! talhamos o bife frigimos até as vísceras apaixonados sem compaixão— Simone de Andrade Neves
É possível enxergar os bois urrando pela morte em matadouros e depois pessoas felizes comendo os bifes, livre de culpa ou sentimentos. Extremamente visual e impactante. Há aspectos de logopeia também, já que não deixa de ser uma crítica e nos trazer momentos de reflexão sobre o consumo de carnes.
Um autor que usa muito das fanopeias é Vladimir Maiakovski , que, inclusive, tinha influências fortes dos pintores cubofuturistas. Abaixo, são apresentados dois poemas dele retirados do livro Poemas , traduzidas por Augusto de Campos , Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman .
Algum dia você poderia? Manchei o mapa quotidiano jogando-lhe a tinta de um frasco e mostrei oblíquas num prato as maçãs do rosto do oceano. Nas escamas de um peixe de estanho li lábios novos chamando. E você? Poderia algum dia por seu turno tocar um noturno louco na flauta dos esgostos?— Maiakovski
Neste poema, a primeira estrofe pode ser visualizada nas nossas mentes de forma muito clara, jogando tinta a um mapa mundi, por exemplo. Neste segundo exemplo, o aspecto visual é ainda mais intenso.
De rua em rua Ru- as As ru- gas dos dogues dos anos sona- dos. Nos cavalos de ferro das janelas das casas que correm saltaram os primeiros cubos. Cisnes de pescoços-campanários, torcei-vos nos fios do telégrafo! No céu se grava o guache das girafas, desaviva a ferrugem dos penachos. Brilhante com truta o filho da leiva sem lavra. O mágico puxa da goela do bonde os trilhos, oculto pelo mostrador da torre. Estamos ganhos. Banhos. Duchas. Elevador. A dor leva o corpete da alma. Ao corpo queimam os dedos. Grites ou não grites "Eu não queria!" - ao corte queimam os medos. O vento farpado arranca da chaminé um farrapo de lã esfumaçada. O lampião calvo despe voluptuosamente da rua uma meia preta.— Maiakovski
Se fosse prosa, talvez pudéssemos resumir este poema a “um bonde passa na rua”, porém há mais do que isso aqui: casas que correm, cisnes de pescoços-campanários, o guache das girafas, o mágico puxa da goela do bonde os trilhos e etc.
Se as melopeias fazem com que os leitores sejam levados, sejam conduzidos, para um lugar de poesia, as fanopeias permitem uma fuga da realidade, permitem ao leitor “tirar seus pés do chão”, o que é muito importante no dever poético.