Linguagem, poema e poesia Qual a relação?
Publicado em 22/01/2019 por Gustavo Dutra
A primeira coisa que precisamos fazer para entender a relação entre estes três termos é diferenciar poesia de poema. Existem diversos vídeos no YouTube e blog posts que explicam, portanto resumirei usando as palavras de Octavio Paz retiradas do livro O Arco e a Lira .
O poético é poesia em estado amorfo; o poema é construção, poesia erguida. — Octavio Paz
Portanto, a poesia pode estar em um pôr-do-sol, em uma pintura ou em uma fotografia. O poema, ainda segundo Octavio, “é um organismo verbal que contém, suscita ou emite poesia. Forma e substância são a mesma coisa.”. Dito isto, podemos afirmar que não basta estar em forma de soneto ou ter determinada métrica. Para ser considerado poema, o texto precisa conter, suscitar ou emitir poesia.
Se o poema é feito de palavras que vêm da linguagem, então a linguagem precisa exercer algum papel relacionado à poesia.
Para entrar neste assunto, vamos entender um pouco melhor o que disse Ferdinand de Saussure , pai da linguística.
Ele diz que a língua é feita à partir de um conjunto de signos convencionados. Quando dizemos “árvore”, as pessoas precisam saber o que o som emitido reprenta. Eis a necessidade da convenção.
O som da palavra dita “árvore” pode ser comunicado, em inglês, pelo som de “tree”. Porém, um mesmo som, pode ter significados diferentes, como por exemplos nos homônimos. Esta característica da linguagem é chamada de arbitrariedade.
A palavra utilizada ou o som dela pronunciado é chamado de imagem acústica, que por sua vez, passa a se chamar o significante. Já o significado é o conceito à que ela se refere. O conceito é mesmo entre “árvore” e “tree”, em línguas diferentes.
Outro fator é que, à medida em que são adicionadas novas palavras, por exemplo “árvore frutífera”, acabamos refinando o conceito e, ao mesmo tempo, restringindo a gama de possibilidades.
Isso faz com que a prosa aprisiona o estado natural da linguagem. Pois na prosa, devido à linearidade (uma palavra seguida da outra), tenta-se chegar o mais próximo possível do que se quer dizer. Há procura pela precisão. Octávio diz o seguinte:
Cada palavra - além de suas propriedades físicas - contém uma pluraridade de sentidos. Assim, a atividade do prosador se exerce contra a própria natureza da palavra. — Octavio Paz
Em um vídeo onde falamos sobre desaprender a ser adulto eu falo um pouco sobre isso.
Se a prosa restringe, o poema faz o contrário. Já discutimos isso no vídeo que diz que poesia é condensação. A ideia é que os poemas recuperem a natureza primeira das palavras.
A linguagem recupera sua originalidade primeira, mutilada pela redução que a prosa e a fala cotidiana lhe impõe. [...] [Isto] afeta os valores sonoros e plásticos tanto quanto o significado. — Octavio Paz
É por isso que muitos poetas dizem que a matéria prima do poeta é a palavra. Não a palavra objetiva, mas o conceito de signo. O poeta não se utiliza apenas do seu significado único, mas da vasta gama de possibilidades da palavra.
Se o escultor tranforma pedra em escultura, o pintor a cor em quadro, o músico som em música, o poeta transforma palavra em poema. Para isso é necessário esmiuçar, esquartejar, cortar a palavra. Não a palavra em estado de dicionário, como diz Drummond.
A reconstrução da gama de possibilidades do poema é tarefa do leitor ou ouvinte da poesia. À partir daí, ele consegue chegar a um estado muito parecido com o que o poeta sentiu ao escrever o poema.
Logo, o poema é uma ponte entre a poesia que o poeta sentiu e a poesia que o leitor sentiu. Essa é a relação entre a linguagem, o poema e a poesia.