Ritmo, métrica e verso Qual a relação?
Publicado em 21/05/2019 por Gustavo Dutra
No vídeo, O Ritmo nos Poemas, nós falamos que o ritmo é essencial para o poema. Continuando a leitura do O Arco e a Lira , do Octavio Paz , eu gostaria de explorar mais alguns pontos. Ele já começa o capítulo sobre Versos, assim:
O ritmo não apenas é o elemento mais antigo e permanente da linguagem como é possível que seja anterior à própria fala. Em certo sentido pode-se dizer que a linguagem nasce do ritmo; ...
Isso lembrou-me de um livro chamado Don't sleep, there are snakes: Life and Language in the Amazonian Jungle . Nele, o autor, o antropólogo e linguista Daniel Everett , conta sobre os mais de quarenta anos que conviveu com o povo Pirahã. O livro é incrível. Em resumo: ele chega no Brasil como missionário disposto a converter a tribo no cristianismo. Aprende a língua e vê que ela não possui ferramentas para explicar a Bíblia, por ser simples demais: não possui passado ou futuro, não possui cor, sistema numérico, termos para posse de itens. Eles não guardam história nem da própria aldeia, imagina contar histórias de Jesus há mais de 2 mil anos atrás.
Mas uma coisa: a simplicidade da língua, composta por 3 vogais (A, I e O) e 6 consoantes G, H, S, T, P e B), é evidente. Todas as palavras são combinações disso. Além disso, possui 3 tons, que são formas diferentes de falar as mesmas palavras, atribuindo significados diferente. Exemplo: sábia, sabia (lê-se sabía) e sabiá. A fala Pirahã também pode ser expressa por música, assobios ou zumbidos (como “M” com lábios fechados).
Para quem se interessou, pode ler mais sobre o Povo Pirahã na página do ISA
Fica claro, então, que, nesta língua, o ritmo precede a língua, já que pode ser assobiada ou falado por zumbidos. Já vimos que o ritmo é importante e precede a linguagem. Mas e o que o verso tem a ver com o ritmo?
Bom, todo o verso tem um metro, ou seja, um número X de sílabas poéticas. Alguns poetas criam obras cujos versos respeitam sempre um mesmo número; outros, variam uniformemente; e, hoje em dia, os versos livres, praticamente anárquicos, possuem versos de diferentes metros.
Entretanto, Octavio continua:
Afirmar que o ritmo seja o núcleo do poema não quer dizer que seja um conjunto de metros [...] O ritmo é inseparável da frase; não é feita de palavras soltas, nem é só medida ou quantidade silábica, acentos e pausas: é imagem e sentido. Ritmo, imagem e sentido se dão simultaneamente numa unidade indivisível e compacta: na frase poética, o verso. [...] Em si mesmo, o metro é medida despida de sentido. [...] O metro é medida que tende a separar-se da linguagem; o ritmo jamais se separa da própria fala porque é a própria fala.
Para comprovar que o metro não é fator determinante no ritmo, ele cita dois poetas de língua espanhola. Se pegarmos dois sonetos, cujos versos todos contém 11 sílabas poéticas, mesmo assim o ritmo entre eles se dará diferente. Isso porque as palavras, os acentos, as vírgulas, os pontos, estão dispostos de maneira diferente.
Leia em voz alta para observar a diferença de ritmos.
**Soneto "A Don Cristobal de Mora"** Árbol de cuyos ramos fortunados Las nobles moras son quinas reales, Teñidas en la sangre de leales Capitanes, no amantes desdichados; En los campos del Tajo más dorados Y que más privilegian sus cristales, A par de las sublimes palmas sales, Y más que los laureles levantados. Gusano, de tus hojas me alimentes, Pajarilla, sosténganme tus ramas, Y ampáreme tu sombra, peregrino. Hilaré tu memoria entre las gentes, Cantaré enmudeciendo ajenas famas, Y votaré a tu templo mi camino.— Luis de Góngora
**Soneto "A una nariz"** Érase un hombre a una nariz pegado, érase una nariz superlativa, érase una nariz sayón y escriba, érase un peje espada muy barbado. Era un reloj de sol mal encarado, érase una alquitara pensativa, érase un elefante boca arriba, era Ovidio Nasón más narizado. Érase un espolón de una galera, érase una pirámide de Egipto, las doce Tribus de narices era. Érase un naricísimo infinito, muchísimo nariz, nariz tan fiera que en la cara de Anás fuera delito.— Francisco de Quevedo
Mesma métrica, mesma quantidade de versos. O ritmo é completamente diferente, não é?
O primeiro possui bastante pompa e tenta falar o quão importante é “Don Cristobal de Mora”. O segundo é muito mais fluído, de leitura rápida e de tom satírico. Fica claro que está debochando de alguém. O ritmo, nesses casos, corroboram com o tema e sentido do poema.
Fica a reflexão, será que estamos usando estes recursos a nosso favor nas nossas criações?