Sobre a ansiedade de publicar poemas Tem diminuído, mas ainda sinto muita ansiedade em publicar a poesia.
Publicado em 14/05/2017 por Gustavo Dutra
Eu costumava escrever e achar que o poema estava pronto. Porque ele realmente parecia muito bom logo depois de terminá-lo.
Mas dado alguns dias ou meses, quando eu relia, via que poderia melhorá-lo. Percebia erros, possibilidade de rimas, quebras no ritmo, etc. Comecei a repassar os poemas mais antigos nos dias seguintes. Foi aí que percebi que em momento de transe tudo parece mágico e lindo e poético.
Mas essa ansiedade em publicar acaba prejudicando o poeta e os leitores. O poeta, porque se perde a oportunidade de se escrever uma poesia melhor, a oportunidade de conviver um pouco com sua própria obra; ao leitor, porque diminui as chances de criar empatia, porque o trabalho desafinado pode afastá-lo de sentimentos que compartilha com o poeta.
Quando li o poema de Drummond , Procura da Poesia identifiquei o seguinte verso:
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes. Nem me reveles teus sentimentos, que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem. O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. isso ainda não é poesia! Convive com tua poesia, ele fala. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.— Carlos Drummond de Andrade
Parece que faz sentido e que não foi só eu quem percebeu isso. O primeiro descarrego, ainda não é poesia.
O João Cabral , através da Psicologia da Composição, fala o seguinte:
O poema, com seus cavalos, quer explodir teu tempo claro;— João Cabral de Melo Neto
E quer mesmo, não é? O estado de transe nos faz escrever muito, quer explodir com seus cavalos. Um turbilhão de ideias e formas. É preciso ordenar o caos.
Neste papel logo fenecem as roxas, mornas flores morais; ... (Espera, por isso, que a jovem manhã te venha revelar as flores da véspera.)— João Cabral de Melo Neto
Jovem manhã é uma alusão ao futuro, ao frescor na cabeça. Tentar enxergar o mais próximo do leitor, sem o contexto do poeta, revela as flores da véspera, ou seja, ao ler a poesia fora do estado de transe, nós nos surpreendemos com o que escrevemos. As flores escritas na véspera se revelam.
Para sintetizar e concluir o pensamento, gostaria de citar Mario de Andrade .
Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi. — Mário de Andrade