Minerais - Canto Geral Pablo Neruda
Publicado em 20/11/2017 por Gustavo Dutra
Mãe dos metais, te queimaram, te morderam, te martirizaram, te corroeram, te apodreceram mais tarde, quando os ídolos já não podiam defender-te. Cipós subindo aos cabelos da noite selvática, acajus formadores do centro das Flechas, ferro agrupado no desvão florido, garra altaneira das condutoras águias de minha terra, água desconhecida, sol malvado, vaga de cruel espuma, tubarão espreitante, dentadura das cordilheiras antárticas, deusa serpente vestida de plumas e enrarecida por azul veneno, febre ancestral inoculada por migrações de asas e formigas, tremedais, borboletas de aguilhão ácido, madeiras avizinhando-se do mineral, por que o coro dos hostis não defendeu o tesouro? Mãe das pedras escuras que tingiam de sangue as tuas pestanas! A turquesa de suas etapas, do brilho larvário apenas nascia para as jóias do sol sacerdotal, dormia o cobre em seus sulfúricos estratos, e o antimônio ia de camada em camada à profundidade de nossa estrela. A hulha brilhava em resplendores-negros como o total reverso da neve, negro gelo enquistado na secreta tormenta imóvel da terra, quando um fulgor de pássaro amarelo enterrou as correntes do enxofre ao pé das glaciais cordilheiras. O vanádio vestia-se de chuva para entrar na câmara do ouro, afiava facas o tungstênio c o bismuto trançava medicinais cabeleiras. Os vaga-lumes equivocados ainda continuavam nos altos, soltando goteiras de fósforo nos sulcos dos abismos e nos cumes ferruginosos. São as vinhas do meteoro, os subterrâneos da safira. O soldadinho nas mesetas dorme com roupa de estanho. O cobre funda os seus crimes nas trevas insepultas carregadas de matéria verde, e no silêncio acumulado dormem as múmias destrutoras. Na doçura chibcha o ouro sai de opacos oratórios lentamente até os guerreiros, converte-se em rubros estames, em corações laminados, em fosforescência terrestre, em dentadura fabulosa. Durmo então com o sonho de uma semente, de uma larva, e as escadas de Querétaro desço contigo. Me esperaram as pedras de lua indecisa, a jóia pesqueira da opala, a árvore morta numa igreja gelada pelas ametistas Como podias, Colômbia oral, saber que tuas pedras descalças ocultavam uma tormenta de ouro iracundo, como, pátria da esmeralda, ias perceber que a jóia de morte e mar, o fulgor no seu calafrio, escalaria as gargantas dos dinastas invasores? Eras pura noção de pedra, rosa educada pelo sal, maligna lágrima enterrada, sereia de artérias adormecidas, beladona, serpente negra. (Enquanto a palmeira dispersava sua coluna em altas travessas, ia o sal destituindo o resplendor das montanhas, convertendo em veste de quartzo as gotas de chuva nas folhas e transmutando os abetos em avenidas de carvão.) Corri pelos ciclones até o perigo e desci à luz da esmeralda, ascendi ao pâmpano dos rubis, mas calei-me para sempre na estátua do nitrato estendido no deserto. Vi como na cinza do ossudo altiplano levantava o estanho suas corais ramagens de veneno até estender como uma selva a névoa equinocial, até cobrir o sinete de nossas cereais monarquias.— Pablo Neruda